Inferência Causal

Valor E

Prof. Carlos Trucíos
ctrucios@unicamp.br

Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (IMECC),
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

Introdução

Introdução

  • Os métodos para estudos observacionais vistos nas aulas anteriores são construidos sob a hipósete de ignorabilidade, o que implica controlar por todas as variáveis de confusão.
  • Como não é possível verificar esta suposição, estudos observacionais são criticados devido á possibilidade de não controlar por todas as variáveis de confusão.
  • Variáveis de confusão não medidas são mais problemáticas se fortemente correlacionadas com ambos, \(Y\) e \(Z\).
  • Discutiremos uma ferramenta para quantificar a evidência de causalidade em estudos observacionais.
  • Este ferramenta chama-se de Valor E

Valor E

Valor E

O valor E (VanderWeele e Ding; 2017) é particularmente útil em estudos observacionais que utilizem regressão logística para estimar o RR de um tratamento sob um resultado binário.

\[{\rm RR} \text{ (risk ratio)}= \dfrac{P(Y = 1 | Z = 1)}{P(Y = 1 | Z = 0)}.\]

Não assumiremos ignorabilidade dado \(X\), ou seja \[Z \not\perp\!\!\!\!\not\perp \{Y(1), Y(0) \} | X.\]

Valor E

Contudo, ainda assumiremos ignorabilidade dados \(X\) e uma variável de confusão não observada \(U\), ou seja

\[Z \perp\!\!\!\!\perp \{Y(1), Y(0) \} | (X, U)\]

Assim, se \(Y\) for binário, o verdadeiro e observado RR condicional são dados por:

\[RR^{\rm{True}}_{ZY | x} = \dfrac{P(Y(1) = 1 | X = x)}{P(Y(0) = 1 | X = x)} \quad e \quad RR^{\rm{Obs}}_{ZY | x} = \dfrac{P(Y = 1 | Z = 1, X = x)}{P(Y = 1 | Z = 0, X = x)}.\]

Se \(U\) for uma varável de confusão não observada, em geral, \[RR^{\rm{True}}_{ZY | x} \neq RR^{\rm{Obs}}_{ZY | x}.\]

Valor E

\[RR^{\rm{True}}_{ZY | x} \neq RR^{\rm{Obs}}_{ZY | x}.\]

Pois,

  • \(RR_{ZY|x}^{true} = \dfrac{\int P(Y = 1 | Z = 1, X = x, U = u)f(u | X = x) du}{\int P(Y = 1 | Z = 0, X = x, U = u)f(u | X = x)du}\)
  • \(RR_{ZY|x}^{Obs} = \dfrac{\int P(Y = 1 | Z = 1, X = x, U = u)f(u | Z = 1, X = x)du}{\int P(Y = 1 | Z = 0, X = x, U = u)f(u | Z = 0, X = x)du}\)

Valor E

Exemplo

  • Doll e Hill (1950) encontraram que o RR de fumar cigarros sob o câncer de pulmão era 9 (mesmo depois de ajustar por muitas covariáveis observadas \(X\)).
  • Fisher (1957) questionou o estudo, argumentando o motivo das pesosas fumarem e terem câncer de pulmâo pode ser um gene.
  • Cornfields et al. (1959) tomam uma perspectiva mais construtiva e perguntam-se: Quão forte a variável de confusão deve ser para explicar a associação observada entre \(Z\) (fumar cigarro) e \(Y\) (câncer de pulmão)?

Valor E

Pensemos no seguinte diagrama causal (já condicionao em \(X\)):

Condicionado em \((X, U)\) não observamos nenhuma associação entre \(Z\) e \(Y\). Já apenas condicionado em \(X\), observamos uma associação entre \(Z\) e \(Y\).

Valor E

Assumindo \(U\) sendo binário, definamos dois parãmetros de sensibilidade: \[RR_{ZU|x} = \dfrac{P(U = 1 | Z = 1, X = x)}{P(U = 1 | Z = 0, X = X)} \quad e \quad RR_{UY|x} = \dfrac{P(Y = 1 | U = 1, X = x)}{P(Y = 0 | U = 0, X = x)},\]

que medem, condicionado em \(X\), a associação entre \(Z\) e a variável de confusão e entre \(Y\) e a variável de confusão, respectivamente.

Valor E

Teorema

Sob \[Z \perp\!\!\!\!\perp Y | (X, U),\] assuma sem perda de generalidade que \[RR^{\rm{Obs}}_{ZY|x} > 1, \quad RR_{ZU|x} > 1, \quad RR_{UY|x} > 1.\]

Então, temos que \[RR^{\rm{Obs}}_{ZY|x} \leq \dfrac{RR_{ZU|x} \times RR_{UY|x}}{RR_{ZU|x} + RR_{UY|x} - 1}.\]

Sob \(Z \perp\!\!\!\!\perp Y | (X, U)\), este teorema nos da um valor máximo para \(RR^{\rm{Obs}}_{ZY|x}\) (que depende apenas de \(RR_{ZU|x}\) e \(RR_{UY|x}\)).

Demostração: (no quadro)

Valor E

Lema

Definimos \(\beta(\omega_1, \omega_2) = \omega_1 \omega_2 / (\omega_1 + \omega_2 - 1)\) para \(\omega_1 > 1\) e \(\omega_2 > 1\).

  1. \(\beta(\omega_1, \omega_2)\) é simétrico em \(\omega_1\) e \(\omega_2\).
  2. \(\beta(\omega_1, \omega_2)\) é crescente em \(\omega_1\) e \(\omega_2\).
  3. \(\beta(\omega_1, \omega_2) \leq \omega_1\) e \(\beta(\omega_1, \omega_2) \leq \omega_2\).
  4. \(\beta(\omega_1, \omega_2) \leq \omega^2/(2 \omega - 1)\), em que \(\omega = \max(\omega_1, \omega_2)\)

Valor E

Utilizando o Teorema anterior e o Lema (3), temos que \[RR_{ZU|x} \geq RR_{ZY|x}^{\rm{Obs}}, \quad RR_{UY|x} \geq RR_{ZY|x}^{\rm{Obs}}.\]

Assim, para explicar o RR, \(RR_{ZU|x}\) ou \(RR_{UY|x}\) devem ser pelo menos iguais a \(RR_{ZY|x}^{\rm{Obs}}\).

Por outro lado, utilizando o Teorema e o Lemma (4), temos que \[\omega^2 - 2 RR^{\rm{Obs}}_{ZXY | x} + RR^{\rm{Obs}}_{ZXY | x} \geq 0\]

Assim, para explicar o RR, \(\omega = \max(RR_{ZU|x}, RR_{UY|x})\) deve ser pelo menos iguail a \[RR^{\rm{Obs}}_{ZY|x} + \sqrt{RR^{\rm{Obs}}_{ZY|x} (RR^{\rm{Obs}}_{ZY|x} - 1)}.\]

Valor E

Definição:

O valor E é dado por \[RR^{\rm{Obs}}_{ZY|x} + \sqrt{RR^{\rm{Obs}}_{ZY|x} (RR^{\rm{Obs}}_{ZY|x} - 1)}\]

  • O p-valor do teste de Fisher traz evidência de efeito causal em experimentos randomizados.
  • Em estudos observacionais com tamanhos de amostra grandes, o p-valor pode ser uma medida pobre para medir a evidência do efeito causal.
  • Mesmo se o efeito causal for zero, uma pequena quantidade de variáveis de confusão não observadas trazem vies, o que pode gerar um p-valor pequeno dada uma pequena incerteza de amostragem.

Valor E

Definição:

O valor E é dado por \[RR^{\rm{Obs}}_{ZY|x} + \sqrt{RR^{\rm{Obs}}_{ZY|x} (RR^{\rm{Obs}}_{ZY|x} - 1)}\]

  • Embora incerteza na amostragem seja usualmente de interesse secundário em estudos com amostras grandes, a incerteza devido a variáveis de confusão não observadas é um problema que não pode ser minimizado aumentando o tamanho amostral.
  • VanderWeele e Ding (2017) introduzem o e-valor, que é uma melhor medida de evidência causal em estudos observacionais.

Valor E

Exemplo

Hammond and Horn (1958) utilizando dando da população dos estados unidos para estudar a relação entre fumar e câncer de pulmão. Ignorando covariáveis, os dados podem ser representados na seguinta Tabela de contigência.

Câncer Não câncer
Fuma 397 78557
Não fuma 51 108778
  • \(\hat{p}_1 = 397 / (397 + 78557) = 0.005028244\)
  • \(\hat{p}_0 = 51 / (51 + 108778) = 0.0004686251\)
  • \(\hat{RR} = \hat{p}_1 / \hat{p}_0 = 10.72978\)

A seguir veremos os IC e o valor-e

Valor E

Exemplo

Code
p1 <- 397 / (397 + 78557)
p0 <- 51 / (51 + 108778)
n1 <- 397 + 78557
n0 <- 51 + 108778
rr <- p1/p0
logrr <- log(rr)
se <- sqrt((1 - p1)/(n1*p1) + (1 - p0)/(n0*p0))
upper <- exp(logrr + 1.96 * se)
lower <- exp(logrr - 1.96 * se)
c(lower, rr, upper)
[1]  8.017414 10.729780 14.359765

Observação: \[\dfrac{\log RR - \log \hat{RR}}{\sqrt{(1 - \hat{p}_1)/(n_1 \hat{p}_1) + (1 - \hat{p}_0) / (n_0 \hat{p}_0)}} \sim N(0, 1)\]

Valor E

Exemplo

O valor-e é dado por

Code
valor_e <- rr + sqrt(rr*(rr - 1))
valor_e
[1] 20.94733

para que as variáveis de confusão não medidas expliquem o alto valor de RR, \(\max (RR_{ZU|x}, RR_{UY|x})\) deve ser pelo menos 20.95.

O valor-e do limite inferior do IC é dado por:

Code
# Valor_e o Lim Inf
lower + sqrt(lower*(lower - 1))
[1] 15.51818

Extensões

Valor-e e Brandford Hill

  • O valor e fornece evidências de efeito causal.
  • A medida que o valor-e for grande, precisamos uma variável de confusão mais forte para explicar o RR observado.
  • Com um valor-e pequeno, precisamos apenas de uma variável de confusão fraca para explicar o RR observado.
  • Assim, um RR observado grande fornece maiores indĩcios de causalidade (e isto está relacionado com uma das idéias de Bradford Hill acerca de causalidade).

Valor-e e Brandford Hill

Definição

Bradford Hill dá nove critérios para causaliade:

  1. Força;
  2. consistência;
  3. Especificidade;
  4. Temporalidade;
  5. Gradiente biológico; 6 Plausibilidade;
  6. Coerência;
  7. Experimentação;
  8. Analogia.

Assim, o valor-e é uma forma de justificar o primeiro critério: “associação forte frequentemente fornece evidência forte de causalidade. Isto, pois para explicar esta forte associação seria necessário uma variável de confusão mais forte ainda.”

Valor-e e regressão logística

  • Com \(Y\) binário, é comum utilizarmos a regressão logística de \(Y\) sob \(Z\) e \(X\). Assim \[P(Y_i = 1 | Z_i, X_i) = \dfrac{\exp (\beta_0 + \beta_1 Z_i + \boldsymbol{\beta}_2 \textbf{X}_i)}{1 + \exp (\beta_0 + \beta_1 Z_i + \boldsymbol{\beta}_2 \textbf{X}_i)}\]
  • No modelo logístico, o coeficiente associado a \(Z\) pode ser escrito como \[\beta_1 = \log \Big(\dfrac{P(Y_i = 1 | Z_i = 1, X_i = x_i) \big / P(Y_i = 0 | Z_i = 1, X_i = x_i)}{P(Y_i = 1 | Z_i = 0, X_i = x_i) \big / P(Y_i = 0 | Z_i = 0, X_i = x_i)} \Big).\]

Valor-e e regressão logística

  • Quando o resultado é raro, temos que \(P(Y_i = 1 | Z_i = 1, X_i = x_i), P(Y_i = 1 | Z_i = 0, X_i = x_i) \approx 0\) e então, \[\beta_1 \approx \log \dfrac{P(Y_i = 1 | Z_i = 1, X_i = x_i)}{P(Y_i = 1 | Z_i = 0, X_i = x_i)} = \log RR_{ZY|x}^{Obs}\]
  • Assim, no modelo logístico temos uma forma imediata de calcular o valor-e

Valor-e e regressão logística

Exemplo

O conjunto de dados NCHS2003.txt contém 10 variáveis binárias: asian, nativeamerican, black, hispanic, drinking, smoking, mar (se casada ou nao), somecollege (se tem ou não educação superior), ageabove35 e PTbirth(nascimento prematuro ou não).

Estamos interessados em estudar se ageabove35 tem algum efeito causal em PTbirth (controlando por todas as outras covariáveis)

Code
nchs2003 <- read.table("datasets/NCHS2003.txt", header = TRUE, sep = "\t")
nchs2003 <- nchs2003 |> dplyr::select(-MINDEXSUM, -agebelow20, -preeclampsia)
modelo <- glm(PTbirth ~ ., data = nchs2003, family = binomial)

Valor-e e regressão logística

Code
summary(modelo)$coef
                  Estimate  Std. Error     z value      Pr(>|z|)
(Intercept)    -2.19593446 0.006135235 -357.921825  0.000000e+00
mar             0.15288266 0.003736842   40.912264  0.000000e+00
smoking         0.17100612 0.005399514   31.670649 3.941400e-220
drinking       -0.29663169 0.006932649  -42.787641  0.000000e+00
hispanic        0.03514394 0.004401999    7.983632  1.420888e-15
black           0.45306208 0.004516759  100.306889  0.000000e+00
nativeamerican  0.12555607 0.015583687    8.056892  7.825898e-16
asian          -0.03522949 0.007836976   -4.495291  6.947486e-06
ageabove35      0.26695548 0.004458659   59.873487  0.000000e+00
somecollege    -0.12675842 0.003601967  -35.191442 2.703013e-271
Code
log_or <- summary(modelo)$coef[9, 1:2]
rr <- exp(log_or[1])
ci <- c(exp(log_or[1] - 1.96* log_or[2]), exp(log_or[1] + 1.96* log_or[2]))

Valor-e e regressão logística

Code
## RR e conf intervals
rr
Estimate 
1.305982 
Code
ci
Estimate Estimate 
1.294619 1.317445 
Code
## Valores-e
valor_e <- rr + sqrt(rr*(rr - 1))
valor_e_lower <- ci[1] + sqrt(ci[1]*(ci[1] - 1))

c(valor_e, valor_e_lower)
Estimate Estimate 
1.938127 1.912211 

Para explicar RR (sem que seja um efeito causal), o máximo RR das variáveis de confusão deve ser 1.94 (e 1.91 de focarmos no limite inferior). Apesar de que estes valores não são muito grandes, em epidemiologia são grandes sim.

Comentários finais

Comentários finais

  • \(U\) é não observado, por isso não é facil decidirmos de o valor-e é grande ou não.
  • O valor-e oferece evidencia de causalidade, mas esta evidência deve ser vista a partir do conhecimento do problema de interesse.

Referências

  • Peng Ding (2023). A First Course in Causal Inference. Capítulo 17.